quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Caminho Português de Santiago - Dia 5

21 de Agosto: Pontevedra-Caldas de Reyes

Quando nos levantámos já várias pessoas se preparavam para sair. Mesmo assim fomos as primeiras a sair e fazermo-nos ao caminho. Como já tinha o conhecimento do ano passado, sabia o que me esperava e, como tal, estava relativamente descontraída uma vez que o terreno não era difícil e a paisagem bonita. E de facto assim foi.
Ao passar por determinados locais lembrei-me do que tinha vivido no ano passado. A montanha onde tirámos as fotos, o café onde o ano passado parámos para comer e este ano, igualmente, repousámos, a recta onde apanhámos chuva sem que nos conseguíssemos abrigar. Todos os locais me trouxeram recordações agradáveis e me fizeram sentir que o caminho que trilhei o ano passado foi especial, mesmo que depois a minha vida tenha mudado. Já nada apagará a magia que foi percorrê-lo, daquela forma, com aquelas pessoas.

Ontem em Pontevedra vi pintado numa parede uma inscrição que me fez pensar e que dizia algo do género: «não se encontra paz no caminho, o caminho é a paz».

Também senti que a peregrinação passa pela dor física para poder chegar à dor da alma, à kuz e descobertas interiores. Cada rocha no caminho cravava-se na minha pele lembrando-me que sou humana mas também que as dores físicas não nos podem impedir de chegarmos onde queremos.

Os dias são compridos e em cada dia revê-se um contorno de vida. Parece que se passou tanto tempo...
A Chiara ontem abandonou-nos. Foi uma sensação estranha, de quebra de laços mas oa mesmo tempo com a consciência de que cada um percorre o seu próprio caminho. Será que ela ficou bem? Será que está bem? E apesar de não saber as respostas a tais perguntas sinto-me apaziguada. Sinto que talvez esteja mais preparada para deixar as pessoas partir, porque oi mais importante é o que se vive enquanto as pessoas estão do nosso lado e que mesmo após a partida há sentimentos bons que permanecem, memórias, aprendizagens...

Chegámos a Caldas de Reyes com a ideia de ficarmos no mosteiro com as freiras, onde tinha pernoitado no ano transacto. No entanto, quando lá chegámos, não era possível aceitarem peregrinos, pelo que tivemos de procurar um hotel para dormir. Gastámos mais, mas tivemos algo não sentíamos há vários dias: poder dormir numa cama confortável, com privacidade, e um banho longo e renovador.


Decidimos dar uma volta pela cidade para descontrair e aquecermos os pés nas termas. Meio a coxear lá fomos nós. Esperámos a nossa vez e colocámos os pés na água que fervilhava, primeiro a medo, e depois com deleite. Reláxamos, rimos, até aparecer um casal de meia idade que se abeirou do local onde estávamos.

O homem começa a encher a garrafa e a beber a água, enquanto vejo a mulher a aproximar-se e descalçar-se, apoiando-se nas extremidades da fonte. Penso para mim:«isto está cheio de lodo, não vai dar bom resultado...». Mas acabo de pensar isto a mulher escorrega e estatela-se dentro da fonte, enquanto grita por causa da água a ferver. De cada vez que se tentava levantar escorregava ainda mais e, consequentemente, mais gritava. A S. ficou sentada no mesmo sítio sem reacção, enquanto o homem, de pé e de garrafa na mão, bebericava água e perguntava: «então? caíste querida?» (isto enquanto a mulher gritava e esperneava, qual filme de terro). Tentei ajudar a mulher, que enquanto esbracejava me molhava toda e lá a consegui puxar para fora da terma, com a S. calmamente sentada a observar a cena e o homem de pé completamente estático. A mulher, mal saiu da fonte começou a gritar com o homem e palpita-me que alguém dormiu no sofá aquela noite. Eu fiquei com as calças todas encharcadas o que me fez regressar ao hotel para as tentar secar.

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